São Roque
São às centenas os jovens que demandam esta ilha neste final de Julho. Vêm sobretudo do grupo central, especialmente da Terceira, participar no Cais Agosto.
Acampanham por aqui e por ali, ao lado da festa, onde há um espaço sombrio e ninguém os incomoda. Num concelho com uma população a rondar os 3.300 habitantes, os quatro dias são um maná para o comércio local, já que, e ao contrário do esperado, nem o porto comercial da ilha conseguiu revitalizar o tecido económico.
Durante anos e anos, o Cais do Pico foi servido pelo velho paquete Carvalho Araújo e por outros navios de passageiros e de carga. Ancoravam perto da costa, dada a profundidade das águas, e o serviço era feito em pequenas lanchas a motor que transportavam, a céu aberto, passageiros e malas, lanchões com carga a granel e gado para exportação.
Nessa altura, o Pico exportava gado vivo, alguns laticínios, óleo de baleia e pouco mais, apesar da sua população ser muito superior aos menos de 15 mil que agora tem.
Toda a operação decorria no cais velho, cuja pequena dimensão dificultava as cargas e descargas. Muito mais quando um dos iates - Terra Alta, Santo Amaro e Espírito Santo, urbanas do grupo central - encostava para tomar ou deixar passageiros e carga ligeira. A operação do navio ancorado na baía parava, até que o iate retomasse o seu destino. Foi assim largas dezenas de anos.
Os picoenses, apesar de tudo, nunca deixaram de seguir outros rumos fosse para estudar em Angra, para ir para o Castelo, ou para ir ao médico na Terceira, pois tal como outrora, continua a ser voz corrente que no que respeita à saúde o Pico não tem serviços que prestem.
Os iates do Pico já não navegam entre a Terceira e o Faial e nem as quilhas restaram para atestar os seus bons serviços. Após um longo interregno, esses barcos de madeira foram substituídos por modernas embarcações que, num ápice, operam, nos portos, com pessoas e viaturas.
Nunca é demais enaltecer o serviço prestado pelos navios/ferries. Eles proporcionaram aos habitantes de todas as ilhas, um conhecimento mais profundo da realidade social e cultural do arquipélago açoriano, estreitando laços humanos duradouros.
A par deste meio de transporte, deve relevar-se o contributo dado à divulgação da Ilha do Pico pelo festival CaisAgosto. Sem ele, esta ilha seria menos conhecida sobretudo pelos jovens açorianos.
Pena é que responsáveis locais, levados por uma alegada boa gestão municipal, defendam a não realização anual do festival aduzindo despesas elevadas, prosseguindo embora com investimentos de muito duvidoso retorno para a economia local e para a fixação das pessoas.
A festa faz parte da atividade humana e constitui tempo de catarse necessário à socialização e ao retemperar de forças.
Quem está limitado às fronteiras da Ilha, à rotina do levantar cedo, ao ir mar ou ao mato tratar dos animais, num esforço enorme para garantir a sobrevivência, espera que as entidades públicas lhes proporcionem, momentos de festa e de convívio.
Ou os açorianos, tão portugueses como os demais, devem ser privados de espetáculos com artistas continentais só porque as viagens e os cachets são elevados?
Há umas semanas atrás escrevi, a propósito da redução de feriados, que ninguém tira a festa aos açorianos.
A mentalidade economicista que alguns governantes de várias cores partidárias agora defendem, alegando gestão correta das receitas, é a forma mais apurada do liberalismo e da negação da função social do estado.
O pior que pode acontecer a um povo em depressão económica é cair na depressão mental, na desesperança, na acusação permanente e na descrença.
Contra estes males, a festa, o convívio e a diversão são ótimos curativos receitados pela sabedoria popular. Já diz o ditado: rir é o melhor remédio.
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